segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Acorde, estamos em guerra

 No dia 4 de outubro de 2020, foi publicado um manifesto redigido por professores de Harvard, Oxford e Stanford e subscrito por mais de seis mil cientistas e médicos do mundo inteiro. Na carta, os jovens são conclamados a retomarem as suas rotinas com normalidade, a fim de induzir a chamada imunidade de rebanho, mecanismo que dificulta a propagação de qualquer vírus a medida que aumenta o número de pessoas que se contaminam e se tornam imunes naturalmente (The Great Barrington Declaration, disponível em https://gbdeclaration.org/).

Esse chamamento lembrou-me um dos episódios mais marcantes do século XX. No dia 6 de junho de 1944, que ficou conhecido com o Dia D, milhares de jovens também foram chamados para uma missão: desembarcar numa praia da Normandia para dar início a campanha dos Aliados para retomar o território francês ocupado pelos nazistas. Aqueles jovens sabiam que muitos deles morreriam antes mesmo de pisar nas areias da praia, pois seriam fuzilados pelos nazistas ainda dentro dos botes que os transportavam, como ilustrou muito bem as primeiras cenas do filme “O resgate do Soldado Ryan”. Apesar de a convocação ser praticamente uma sentença de morte, esses jovens não se acovardaram. Eles enfrentaram o medo de morrer e lutaram pela liberdade não apenas deles próprios, mas principalmente dos seus filhos e das futuras gerações. E graças a esses heróis anônimos atualmente desfrutamos dessas liberdades que os regimes nacional-socialistas queriam nos tolher.

Se você ainda não percebeu, estamos em guerra de novo. A diferença é que dessa vez não precisamos pegar em armas para vencer a luta e não estamos diante de uma morte quase certa no campo de batalha. Também não estamos sendo chamados a enfrentar o inimigo por governos ou malucos neonazitas ou supremacistas brancos. O chamamento foi feito por milhares de estudiosos e está baseado em evidências científicas de que a taxa de letalidade associada ao novo coronavírus entre a população jovem é baixíssima (mil vezes menor do que entre idosos). Os jovens precisam se expor a esse risco para livrar a humanidade da ameaça que esse vírus representa tanto para a nossa saúde quanto para as nossas liberdades.

Até quando vamos ignorar o alerta de milhares de médicos e cientistas e continuar seguindo blogueiros e artistas? Nem a OMS defende mais medidas como lockdown e quarentena, pois reconhece que foram um erro. Apesar disso, tem gente que continua acreditando no que diz esse tal de Felipe Neto, um sujeito incapaz de realizar qualquer atividade produtiva para a sociedade, porque o seu único “talento” é pintar o cabelo de azul e fazer lives para falar a respeito do seu próprio pênis. Por que diabos continuar obedecendo a cantora Anitta, que manda você ficar em casa, enquanto ela viaja para a Itália para curtir o verão Europeu e reunir multidões nos seus shows? Ainda não deu para perceber que essa galera está se lixando para a sua saúde? Enquanto você adoece e empobrece confinado entre quatro paredes, a turma do “fique em casa” enche os bolsos de dinheiro com os anúncios publicitários nos canais do YouTube onde eles veiculam o lixo que produzem. Não se engane: esse pessoal não quer o seu bem; eles estão do lado daqueles que querem aniquilar as suas liberdades.

A derrota do inimigo só depende da nossa atitude, mas é justamente essa atitude que está nos faltando. Claro que ninguém quer ser aquele jovem que entrará nas estatísticas de morte em decorrência da COVID. Não desejo isso nem para mim, nem para os meus familiares, nem para os meus amigos, nem para ninguém. Mas devemos assumir esse risco, que, repita-se, é insignificante, se comparado com o risco a que se expuseram tantos jovens nas guerras que hoje ilustram os livros de história. Precisamos assumir esse risco ínfimo não apenas para resgatar as nossas liberdades, mas também para salvar os nossos idosos, em memória daqueles que lutaram bravamente no passado para garantir o nosso bem-estar hoje. Precisamos assumir esse risco para salvar as nossas crianças que estão ficando doentes não de coronavírus, mas de depressão porque foram privadas da alegria de serem livres.

Se você também não quer bater continência para um ditador, acorde! A guerra está aí e temos que reagir logo. As nossas liberdades foram tomadas de assalto e não será fácil recuperá-las. Cancele esses blogueiros e artistas que se arrogam no direito de mandar você ficar em casa. Tire o pijama e retome as rédeas da sua vida. Faça isso pelo seu próprio bem e dos seus filhos. Faça isso agora, porque daqui a pouco já será tarde demais.

Sobre homens, macacos e pandemia

Desde o início da pandemia causada pelo vírus originário da China, governantes impuseram uma série de medidas restritivas a pretexto de garantir o distanciamento social entre as pessoas e, assim, supostamente evitar a propagação do vírus. Quando observo as pessoas seguindo à risca certas medidas, lembro-me daquela experiência com macacos. 

Conta-se que certa vez cientistas reuniram meia dúzia de macacos em uma jaula. No centro, deixaram uma escada e, acima da escada, um cacho de bananas. Cada vez que um macaco subia a escada, os cientistas lançavam um jato de água fria nos demais que ficavam no chão. Em dado momento, os macacos perceberam a relação entre subir a escada e o banho de água fria, quando, então, começaram a bater no símio que insistisse em tentar alcançar as bananas pela escada. A partir disso, os cientistas substituíram um macaco veterano na experiência por um macaco novato. O novato correu para a escada sem titubear, e os demais logo lhe aplicaram uma boa surra. Mais um primata novato foi colocado no lugar de outro veterano e o mesmo aconteceu: o novato tentou subir as escadas e apanhou dos demais. Chegou ao ponto em que todos os macacos veteranos foram substituídos por novatos, os quais, mesmo sem nunca terem tomado uma ducha de água fria, continuavam batendo no macaco que tentasse subir a escada. Conclusão: se fosse possível perguntar aos macacos novos por que eles batiam em quem tentava subir a escada, provavelmente eles responderiam: “não sei, mas aqui sempre foi assim”.

Essa experiência nos ensina que, como seres humanos dotados de racionalidade, devemos sempre refletir sobre o que fazemos, a fim de entender o sentido das nossas ações. O medo de ser contaminado pela praga chinesa do novo coronavírus, em parte provocado pelo terror midiático, parece ter tolhido nossa capacidade de pensar, de modo que aceitamos irrefletidamente as medidas que foram empurradas goela abaixo pelas autoridades públicas. Os nossos governantes dizem que todas as medidas adotadas estão baseadas em evidências científicas. Será mesmo?

Um dia desses fui em uma loja comprar um casaco. Escolhi uma peça e dirigi-me ao provador para experimentar, quando a atendente me impediu dizendo que estava proibido o uso do provador (na hora, senti-me na pele dos macacos novatos da experiência científica, mas por sorte a atendente era gentil e não me bateu). Eu teria que comprar o casaco e provar em casa e, se não servisse, poderia devolvê-lo. Eu perguntei para a moça: se o casaco fosse meu, poderia tirar e vestir novamente no interior da loja? Ela respondeu sim, claro. Então, fui até o caixa e comprei o casaco. O atendente do caixa me entregou a sacola com o casaco, e eu perguntei para ter certeza: agora, o casaco é meu? Sim! Aí tirei o casaco da sacola e vesti na frente do caixa. Como o casaco não serviu direito, tirei o casaco, coloquei-o sobre o balcão e pedi para experimentar outro tamanho.

Faz algum sentido proibir as pessoas de usarem o provador da loja? Se o sujeito pode circular na loja, por que raios não pode usar especificamente o provador? Ele já está no interior da loja! Vai dizer que o vírus fica concentrado só no provador?

Exemplos assim não faltam. Outro dia hospedei-me em um hotel. No check-in, o atendente me alertou que precisava reservar um horário para tomar o café da manhã. Decerto faziam isso para evitar “aglomero” no salão, pensei comigo mesmo. Não! Era porque o café tinha que ser servido nas mesas, pois o município havia proibido o uso das mesas de buffet. Como servir o café nas mesas exigia certa quantidade de funcionários, era preciso limitar o número de hóspedes por horário. Para minha surpresa, nessa mesma cidade, os restaurantes não estavam proibidos de servir almoço na modalidade buffet.

Que tipo de ciência é essa que não vê risco no buffet dos restaurantes, mas enxerga o fim do mundo no buffet dos hotéis? Por acaso, o vírus chinês circula apenas em hotéis e não em restaurantes?

Em algumas cidades, os cidadãos foram obrigados a usar máscaras dentro dos carros, mesmo estando sozinhos e com os vidros fechados! Teve prefeito que impôs distanciamento social até para veículos, que não podiam ser estacionados lado a lado! Dizem os “cientistas” que é para evitar que as pessoas fiquem próximas quando entram e saem dos carros. Então, o sujeito sai de casa, vai até o shopping ou ao supermercado, cruza com dezenas de pessoas, senta na praça de alimentação e tira a máscara para comer, fica cara-a-cara com o caixa dos estabelecimentos e nada disso é considerado arriscado demais. Mas Deus o livre estacionar os veículos lado a lado!

Ora, não é preciso ser um cientista nem um prêmio Nobel para perceber que essas e outras tantas medidas não fazem o menor sentido. Mesmo assim as pessoas continuam cumprindo e algumas acham mesmo que todas essas restrições são absolutamente necessárias para salvar a humanidade do juízo final. 

Se a pandemia não passa de um grande experimento social, como afirmam algumas teorias da conspiração, será interessante descobrir quando foi que abdicamos da nossa faculdade de pensar e refletir sobre as nossas ações. Talvez seja o caso de começar a perguntar para as pessoas por que estão usando máscaras. Quando elas começarem a responder “não sei, mas aqui sempre foi assim”, aí teremos uma boa pista do momento em que nos tornamos menos humanos e mais macacos.

terça-feira, 16 de abril de 2019

Cabo e soldado em alerta

Há cerca de um mês o Supremo Tribunal Federal (STF), por seu presidente, ministro Dias Toffoli, instaurou de ofício um inquérito penal para investigar fake news, denunciações caluniosas e ameaças que atingem a honorabilidade e a segurança do tribunal, de seus membros e familiares. No curso desse teratológico inquérito (sim, inacreditavelmente, esse procedimento continua existindo), o relator, ministro Alexandre de Moraes, escolhido ao arbítrio de Dias Toffoli, censurou a publicação de uma reportagem jornalística que apontava Dias Toffoli como o “amigo do amigo do meu pai”, segundo Marcelo Odebrecht, este condenado em diversas ações da Lava-Jato. A Procuradora-Geral da República até fez a sua parte e protocolou uma promoção de arquivamento dessa inciativa policialesca, em razão dos seus vícios ululantes. Mas as primeiras notícias dão conta de que o relator vai ignorar solenemente o clamor ministerial pela retomada da normalidade democrática. Definitivamente, algo vai muito mal no reino tupiniquim.

A situação é grave. Vive-se tempos sombrios no Brasil. Nos últimos meses, alguns ministros do STF protagonizaram situações, no mínimo, vexatórias. O seu presidente, no jantar da sua posse, brincou de karaokê aparentemente alcoolizado, sob os olhares e as câmeras dos seus convidados, inclusive jornalistas. O ministro Gilmar Mendes, aquele acusado pelo ex-ministro Joaquim Barbosa de ter capangas em seu estado de origem, chamou os procuradores da Lava-Jato de gentalha e cretinos. O ministro Ricardo Lewandowski mandou prender um advogado que educadamente manifestou sua opinião sobre a corte. Tudo isso só contribui para desacreditar o órgão supremo da Justiça, guardião da Constituição e das liberdades. Mas esperar o que de um tribunal cujo presidente ostenta em seu currículo nada menos do que duas reprovações em concursos para a magistratura?

Até um leigo sabe que o órgão que julga não se confunde com o órgão que investiga. O sistema penal acusatório é um dos pilares do estado democrático de direito, já que assegura imparcialidade ao juiz que impõe severas restrições a um dos bens mais fundamentais do ser humano, que é a sua liberdade. A liberdade de imprensa, por outro lado, garante que nenhum malfeito, em especial quando envolve autoridades superiores, fique a salvo do escrutínio público, constituindo-se em outro fundamento democrático. Quando esses pilares sofrem abalos, caminha-se perigosamente para um regime de exceção. Se esses ataques partem do Poder Judiciário, aquele poder do qual se espera justamente a defesa intransigente dos valores democráticos, aí perde-se as esperanças.

Ao determinar a instauração de um inquérito sem fundamento em nenhuma boa doutrina jurídica e censurar um veículo de imprensa, o STF parece realmente determinado a cutucar onça com vara curta. O medo não é viver sob uma ditadura do Judiciário, simplesmente porque não se tem notícias na história da humanidade de um regime totalitário sustentado a base de papel e caneta. A única ditadura que existe é a das armas. Não à toa o deputado federal Eduardo Bolsonaro, em tom jocoso, afirmou outrora que para fechar o STF bastava um cabo e um soldado. Na linha do que sustentou o Presidente da República, Jair Bolsonaro, são as forças armadas que garantem a democracia e a liberdade. Em um passado recente, quando esses bens foram ameaçados por uma ideologia esquerdista, quem resolveu a pendenga foram os militares. Então, das duas uma: ou o STF combinou isso tudo com o cabo e o soldado, ou o cabo e o soldado já devem estar em alerta e esse é o perigo. Ninguém em sã consciência deseja reviver o cenário de 1964. Mas não se enganem os ministros do STF se pensam que podem dominar o mundo. Eles não têm armas.

domingo, 24 de março de 2019

Temer e o cachorro que come ovelha


Os peões das estâncias gaúchas costumam dizer que “cachorro que come ovelha, só matando”, dado que esse é um vício incorrigível. Por mais que se castigue o animal, na primeira oportunidade, ele vai de novo saciar seu desejo com essa iguaria. O corrupto, tal qual o cachorro que come ovelha, é aquele tipo de criminoso inveterado, obcecado por fraudar a administração pública e com desejo insaciável de assaltar os cofres públicos. Como no Brasil não há pena de morte, a única solução para prevenir casos de corrupção consiste em prender os corruptos e mantê-los presos o máximo de tempo que for possível. Daí porque são absolutamente acertadas as decisões como a do juiz que decretou a prisão do ex-presidente Michel Temer e de alguns dos seus asseclas, entre os quais o ex-ministro e ex-governador do Rio de Janeiro Moreira Franco (agora, todos os ex-governadores fluminense que ainda estão vivos já foram presos, um recorde incrível).

Após a prisão do ex-presidente, os seus aliados (os que ainda estão soltos), advogados e setores da imprensa se apressaram em dizer que a medida era absurda e sem fundamento; que não há provas nem condenação; que se vive um estado policialesco; que a decisão tinha cunho político, entre outras bobagens histéricas. Alguns chegaram ao ponto de anunciar uma crise institucional entre os poderes e claro que não explicaram que diabos tem a ver a decisão do juiz federal do Rio de Janeiro, a pedido dos procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, e os poderes constituídos em Brasília. É sempre assim: quando se prende alguém com colarinho branco, tenta-se logo achincalhar o juiz e os membros do Ministério Público e alardear um imaginário risco a tal governabilidade. Curioso que essa indignação não se costuma notar enquanto essa mesma Justiça está ocupada prendendo a patuleia.

Apesar do sucesso da operação Lava-Jato, ainda é um tabu prender pessoas ricas, poderosas e bem vestidas. Em uma autêntica república democrática, as prisões dessas pessoas deveria ser algo natural, decorrente da pura e simples aplicação do direito. No Brasil, deveria ser até esperado, dado o nível endêmico da corrupção no país. Havendo fundadas suspeitas de terem praticado crimes graves e risco à ordem pública, nada mais natural do que prender os criminosos. Se os ilustres bandidos entendem que a medida é injusta, recorrem da decisão. E se algum tribunal concordar com eles, as suas prisões serão revogadas. E a vida segue. Não é exatamente isso que fazem os criminosos pobres que são presos rotineiramente pela Justiça? Alguns conseguem a liberdade, outros não. Mas em nenhum caso vejo advogados ou jornalistas denunciando nas redes sociais o fim do mundo.

A prisão de Michel Temer não teve nada de arbitrária nem representa o fim dos tempos. Para entender os motivos da sua prisão, o interessado tem que ler a decisão que a decretou. Mas não apenas a parte final, na qual consta a ordem. É preciso deixar a preguiça e as paixões partidárias de lado e ler por inteiro as quase cinquenta páginas nas quais foram expostos didaticamente os motivos de fato e de direito que justificaram a medida. Neste específico inquérito (há outros, diga-se de passagem), Michel Temer é suspeito de chefiar uma organização criminosa responsável por desviar milhões de reais do contrato de construção da usina nuclear Angra III. Para isso, utilizou-se de empresas de fachada controladas pelo Coronel Lima, amigo e homem de confiança do ex-presidente. Parte da propina recebida serviu para custear as despesas da reforma da casa de uma filha do ex-presidente, na ordem de R$ 1.200.000,00, pagas em dinheiro vivo. Também apurou-se que quase vinte milhões de reais foram desviados para a PDA Projetos e Direção Arquitetônica Ltda, uma empresa com capital de apenas R$ 500,00, nenhum empregado e cujos sócios são, de novo, o Coronel Lima e a sua esposa, ou seja, uma empresa fantasma. Tais fatos foram relatados por um delator e comprovados por testemunhas e uma miríade de documentos apreendidos, como extratos de ligações telefônicas, mensagens eletrônicas, notas fiscais, comprovantes de transferências bancárias, planilhas, etc. etc. etc. Está tudo lá na decisão que decretou a prisão do ex-presidente: provas do crime e indícios mais do que suficientes da autoria.

Considerando-se a gravidade dos delitos, a liberdade dos suspeitos representa sim um risco evidente à ordem pública, em especial pela probabilidade concreta de reiteração dos delitos. Ou alguém acha que essa organização criminosa, após o término do mandato do ex-presidente, parou de operar? O sujeito é suspeito de ter passado mais de vinte anos praticando corrupção e agora alguém sinceramente acha que ele vai parar sem mais nem menos? Tal como o cachorro que come ovelha, não perde o vício nunca. E mais: vai empreender todos os esforços para impedir que a Justiça o alcance. O fato de não mais exercer o cargo não elimina o seu poder. Mesmo sem mandato, um ex-presidente continua tendo conexões políticas e influências partidárias. É óbvio que, enquanto estiver solto, vai continuar chefiando a sua organização criminosa e cometendo os crimes a que estava habituado, até porque a obra de Angra III ainda não terminou. Portanto, é a sua liberdade que põe em xeque a estabilidade institucional e a governabilidade de um país, e não a sua prisão.

Os jornalistas e especialmente os ministros dos Tribunais Superiores precisam entender que a corrupção é um crime grave, não apenas porque desvia os recursos que deveriam ser empregados para o bem comum, mas principalmente porque desestabiliza as organizações públicas e compromete o regular funcionamento dos serviços que deveriam ser prestados aos cidadãos, fazendo com que o estado perca o controle sobre a administração dos direitos, dos interesses e das liberdades, resultando nisso que se vê por aí, ou seja, uma esculhambação generalizada do tecido social, isso sim uma ameaça ao próprio estado de direito. Daí porque o combate à corrupção deve seguir o lema da tolerância zero, punindo-se com rigor desde os pequenos desvios até os mais sofisticados esquemas de malversação dos recursos públicos. E o único remédio é manter o corrupto preso, porque, se deixar o cachorro solto, ele vai continuar comendo as ovelhas até não sobrar nenhuma para contar estória.

domingo, 10 de março de 2019

O planeta dos macacos é aqui

O carnaval do Rio de Janeiro foi marcado por uma tragédia familiar decorrente da morte de uma criança de três anos abandonada pelos pais em casa junto com duas irmãs também crianças. Os pais saíram para curtir o bloco de carnaval do bairro e deixaram os três filhos dormindo. Um curto-circuito no ventilador do quarto teria provocado um incêndio rapidamente. Quando resgatado por vizinhos, o garoto estava com 90% do corpo queimado, razão pela qual não resistiu aos ferimentos e faleceu no hospital. Tragédias como essas só acontecem porque, no Brasil, as crianças recebem menos proteção do que um animal.

As pessoas precisam saber que, de modo geral, os crimes contra as crianças em terras tupiniquins são punidos com penas muito brandas. Sem uma adequada punição, os adultos fazem das crianças gato e sapato. Por exemplo, o crime de abandono é punido com penas de seis meses a três anos, o que significa que o criminoso pode nem sequer ser processado, caso cumpra algumas condições, como assinar uma folhinha no Fórum periodicamente. Mesmo se for processado e condenado, o autor desse crime será punido com penas restritivas de direito, ou seja, vai apenas pagar as famigeradas cestas básicas ou prestar serviços comunitários. Se a criança abandonada for recém-nascido, a pena é inexplicavelmente menor: de seis meses a dois anos, o que enseja até transação penal, que nada mais é do que um acordo para pagar uma pena pecuniária ou prestar serviço. Pode um bandido abandonar um bebê na lata do lixo, como acontece com uma frequência chocante, e ser “punido” com um acordo? Outro crime muito comum praticado contra crianças é maus-tratos. Trata-se de um delito corriqueiro porque a pena é igualmente ridícula: dois meses a um ano ou multa. Sim, o vagabundo que judiar de uma criança indefesa pode ser punido só com uma mísera multa. Para se ter uma ideia do absurdo, se alguém maltratar um animal, a sua pena será maior, de três meses a um ano e mais a multa. Ou seja, se um infeliz descobrir que foi traído e quiser descontar a sua ira em alguém, melhor que seja em uma criança, já que chutar um bichano na rua pode lhe render uma pena mais severa. Que futuro esperar em uma sociedade que confere a um animal maior proteção do que a uma criança? A tendência é ser governada por macacos, como na ficção hollywoodiana.

Não é à toa que rotineiramente são denunciados casos de abandono e maus-tratos contra crianças. O impressionante é que o legislador não parece sensibilizado com o sofrimento dos infantes. Talvez seja assim porque criança não vota. Recorde-se que, desde 2006, a lei outorgou especial proteção para as mulheres vítimas de violência doméstica. Sem dúvida, as mulheres também sofrem esse tipo de violência e merecem tal proteção. Porém, as mulheres adultas, bem ou mal, podem se defender, pelo menos pedir socorro, ao contrário das crianças que não têm recurso algum para evitar as agressões covardes praticadas principalmente pelos próprios familiares. Aliás, enquanto as mulheres são vítimas apenas dos homens, as crianças, por vezes, são vítimas de ambos os sexos, o que aumenta a sua vulnerabilidade. São vítimas sem voz. Apanham e sofrem caladas, sozinhas. Apesar dessa constatação óbvia, até hoje as crianças não gozam de igual proteção e não há nem fumaça de leis que tornem mais severas as penas para as agressões cotidianas contra a infância. E não se está sugerindo lançar ao cárcere os pais que eventualmente corrigem os filhos com um tapa na bunda, como se pretendeu fazer por ocasião da discussão da Lei da Palmada (Lei n. 13.010/2014), afinal não se pode confundir um puxão de orelha com maus-tratos ou abandono. O que se reclama é punição rigorosa para o desprezo, a irresponsabilidade e a violência que atingem as crianças, como foi o caso dessa vítima abandonada em casa para morrer queimada, enquanto os pais estavam se divertindo na folia carnavalesca.

Há quase trinta anos aprovou-se um estatuto para a infância que deveria conferir efetiva proteção aos menores, mas que não passa de tinta no papel por não oferecer instrumentos capazes de punir com efetividade aqueles que não respeitam as garantias previstas nessa lei. Já passou muito da hora de se estabelecer rigorosas punições para os algozes das crianças, a fim de estancar as barbaridades que sofrem diuturnamente Brasil afora. Uma criança negligenciada e judiada ao longo da sua infância tende a se transformar num ser brutalizado que, na fase adulta, irá reproduzir essa mesma violência contra os seus próprios filhos, num ciclo vicioso e perverso que precisa ser interrompido com urgência. Uma sociedade que falha miseravelmente na proteção das crianças contra todas as formas de negligência e crueldade está fadada a continuar sendo uma horda de bárbaros. Pelo andar da carruagem, no futuro não será surpresa um chimpanzé reinar por estas bandas.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Imprensa, crime organizado e amor bandido

A Folha de São Paulo publicou uma matéria em 23-2-2019 intitulada “Favela com PCC tem menos crimes violentos, segundo estudo”, sugerindo, já no título, que a presença do crime organizado nas comunidades é sinônimo de segurança para as pessoas. Impressionante como alguns setores da imprensa adoram flertar com bandidos e servir à causa da marginalidade. Depois, são esses mesmos jornalistas que escrevem notícias sobre o aumento da violência realçadas com uma fingida indignação.

De acordo com a reportagem, o estudo aponta que as favelas dominadas pela facção criminosa PCC tiveram 12% menos crimes violentos em relação às favelas onde a bandidagem não está presente. Não se trata de nenhuma novidade. Dizer que as áreas dominadas por organizações criminosas possuem menos crimes violentos é chover no molhado. A novidade está em distorcer as causas da diminuição dessa violência. Ainda segundo a matéria, o estudo considera que a redução da violência se deve a um “modelo de negócios muito aberto e profissional” desenvolvido pelo PCC, no qual impera o que os autores chamaram de “pax monopolista”. Ora, vejam, o jornalista destaca o tráfico de drogas não como um crime hediondo, mas como um “modelo de negócio muito profissional”, e os traficantes como “empresários racionais” filiados a um “grupo”, e não bandidos integrantes de facção criminosa. Só faltou obrigar a Associação Comercial de São Paulo a admitir em seus quadros os traficantes de drogas.

É certo que a presença policial atrapalha o comércio de drogas, como aponta o estudo. Por isso, os traficantes buscam manter a violência sob controle nos seus domínios. Sem crimes violentos, a polícia não precisa entrar na favela. Chega a ser infantil apontar essa constatação óbvia como uma grande descoberta. O que o jornalista ignora ou oculta é que a tal “pax monopolista” é imposta por meio do terror contra a população. Até um chimpanzé sabe que as organizações criminosas possuem um código penal próprio que é imposto para a população sob o seu jugo. Qualquer pessoa que transgrida esse código é punido sumariamente com torturas, mutilações ou morte. É assim que as organizações criminosas agem para garantir que todo mundo ande na linha sob os seus domínios, afinal quem vai querer perder uma mão por furtar uma bicicleta? Percebam que o modo de agir das facções criminosas, no sentido de punir severamente qualquer transgressor do código de conduta da organização, confirma a tese de que a certeza de uma punição rígida é um componente fundamental para inibir a prática de crimes. Ocorre que o tipo de jornalista que defende o “modelo de negócios” das organizações criminosas é o primeiro a se insurgir contra qualquer política que vise recrudescer o combate a esses criminosos por meio do aumento das penas e estabelecimento de regras mais rígidas para o seu cumprimento.

É interessante a matéria destacar a expressão “pax”, que remete claramente à conhecida “pax romana”, período histórico do Império Romano durante o qual os romanos garantiam o controle das regiões conquistadas por meio da imposição da cultura e dos valores de Roma e, fundamentalmente, pelo uso da força para conter rebeliões. Em outras palavras, a “pax romana” não foi conquistada como decorrência natural de um “modelo de negócios”, mas sim pelo uso da força bruta das legiões de exércitos romanos. Ou seja, os romanos ameaçavam empregar a força e a violência para assegurar a paz e, assim, viabilizar os negócios e a prosperidade do império. Exatamente como fazem as organizações criminosas, que empregam o terror contra a população para manter a “paz” e, assim, garantir a prosperidade dos seus negócios escusos. Simples assim.

Eis a razão porque a violência é maior nas áreas controladas pelo Estado do que naquelas controladas por facções criminosas. Ora, qualquer um que pudesse reinar absoluto no seu bairro, instituir um código próprio de conduta e montar um esquadrão da morte com fuzis e metralhadoras para o fim de estabelecer um tribunal de exceção para julgar e guilhotinar sumariamente os suspeitos de qualquer transgressão, com certeza também conseguiria estabelecer uma “pax” local. Mas o Estado tem que agir pautado pelas garantias e liberdades individuais, em especial o devido processo legal, e não pelo terror.

Combater a violência num estado democrático de direito é mais difícil mesmo. Conferir ao crime organizado contornos de uma empresa lícita que age de modo mais eficiente do que a polícia para garantir a paz e a segurança nas favelas é uma distorção tão obscena que só pode ser explicada por uma paixão cega pelo criminoso, um tipo de amor bandido alimentado por uma doença mental incorrigível do seu autor, quem sabe até um desejo perverso de fazer parte do mundo da criminalidade. Quem acha mais seguro viver nas favelas dominadas pelo PCC deveria se mudar para uma dessas comunidades. Assim pode ficar mais próximo dos seus amores.

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Bom para o usuário, ótimo para o traficante

O Brasil é mesmo o país do “progresso”. A onda progressista da vez é o anteprojeto de atualização da lei de drogas apresentado por uma comissão de “juristas” e “especialistas” ao Congresso Nacional. A pretexto de descriminalizar o uso de drogas e dar um tratamento menos rigoroso para as “mulas” dos traficantes, o anteprojeto, de viés ideológico claramente esquerdista, na verdade visa estimular o consumo de drogas e facilitar a vida de quem vende. Vai ficar bom para os usuários e ótimo para os traficantes.

Os tons vermelhos do anteprojeto já aparecem nas primeiras linhas, quando propõe uma nova linguagem para o tratamento da questão. No primeiro artigo, a lei passa a qualificar o uso de drogas como “problemático” e não mais “indevido”. Claro, “indevido” soa muito proibitivo, e a moda agora não é mais proibir o consumo de drogas, mas apenas tratá-lo como algo problemático, ainda que não se saiba ao certo que diabos isso significa. A lei proposta também passa a definir drogas em associação com o adjetivo “ilícita”, ficando a impressão de que se quer isentar a expressão “droga” do seu caráter eminentemente pejorativo, transferindo essa carga de negatividade para o termo “ilícita”. A ideologia comunista é denunciada novamente pela exclusão sorrateira do rol de princípios da lei a promoção dos valores éticos e culturais do povo brasileiro, porque os autores sabem que esse povo possui uma ética e uma cultura fundadas na tradição judaico-cristã, a qual condena veementemente o uso de drogas. Como o intuito é estimular o consumo de drogas, essa ética e essa cultura só atrapalham, razão pela qual é preciso varrê-las para baixo do tapete. O anteprojeto escancara as más intenções ao propor como um dos objetivos do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas desenvolver pesquisas para facilitar o uso moderado e não problemático das drogas. É isso mesmo: a ideia é estabelecer uma política pública com o objetivo de facilitar a tomada de decisão das pessoas sobre usar ou não drogas. E mais: propõe-se que o estado ofereça gratuitamente testes laboratoriais para verificação da natureza e quantidade de drogas, seguida de recomendações quanto ao seu uso. Isso significa que o dinheiro dos impostos que você paga servirá para que o governo faça uma espécie de controle de qualidade dos baseados que o maconheiro vai fumar. Só faltou reservar cotas para drogados nas empresas e no serviço público. Parece piada, mas é sério e fica pior.

Enquanto os ministros do Supremo Tribunal Federal discutem timidamente sobre eventual liberação do consumo de maconha, a comissão propõe sem cerimônias a liberação do consumo generalizado de drogas: cocaína, crack, heroína, LSD, ectasy, lança-perfume e qualquer outra droga, inclusive as que ainda não foram inventadas. E não é só o uso. Também querem os homo sapiens da comissão liberar o compartilhamento dessas drogas. Assim, aquele jovem traficante que estuda com o seu filho ficará autorizado a levar balinhas de ecstasy, LSD ou lança-perfume para compartilhar com a turma na balada ou no churrasquinho do final de semana. Tem mais. A comissão propõe que consumir drogas dentro de escolas, creches, hospitais, em eventos esportivos e culturais ou mesmo na rua seja uma mera infração administrativa, sujeita apenas ao perdimento da droga e multa. Com esse tratamento tão benevolente, na prática, você será constrangido a conviver com gente cheirando pó na pracinha, enquanto o seu filho pequeno brinca no balanço.

Não bastasse estimular o consumo, o anteprojeto também é generoso com os traficantes, reduzindo as penas para o crime de tráfico. De acordo com a proposta, vender drogas continua com penas de cinco a quinze anos (regime inicial de cumprimento é o semi-aberto). Já guardar ou ter em depósito substância entorpecente seria punido com pena mínima de apenas três anos, o que significa regime inicial de cumprimento aberto. A alteração não é a toa. Os doutos da comissão sabem que é raro flagrar o traficante vendendo a droga. Em regra, os flagrantes ocorrem com a apreensão das drogas guardadas ou depositadas na residência do suspeito ou nas suas adjacências. Eis o pulo do gato: se o sujeito for flagrado vendendo um grama de maconha, o que quase nunca acontece, ganha cinco anos de cana; mas se for flagrado guardando cem quilos de cocaína no quintal da sua casa, sua punição será assinar presença no fórum uma vez por mês e olhe lá. Com base na minha experiência profissional, posso assegurar que, se o projeto de lei fosse aprovado, a maioria dos traficantes presos hoje seriam postos imediatamente em liberdade, porque foram denunciados por guardar drogas e não por vendê-las. Tem mais ainda: o anteprojeto estabelece que se presume para uso ou consumo pessoal a aquisição, a guarda, o depósito, o transporte ou o porte de até 10 (dez) doses de drogas. De novo, até os macacos da Amazônia sabem que uma das artimanhas dos traficantes é circular com pouca quantidade de drogas no bolso, justamente para parecerem usuários e não traficantes. Portanto, o que os integrantes da comissão estão propondo é blindar a malandragem dos traficantes com uma presunção legal.

Poder-se-ia escrever um tratado sobre outras tantas barbaridades propostas no anteprojeto, como transformar os crimes autônomos de associação e organização criminosa em meras causas de aumento de pena do tráfico ou permitir a concessão de graça, indulto e anistia para alguns traficantes, mas os exemplos citados são suficientes para evidenciar que a política de drogas proposta é paradoxal, porque, ao mesmo tempo em que mantém a repressão ao tráfico, ainda que suavizada, legaliza o consumo de todas as drogas. Ora, vender e comprar são faces da mesma moeda. Reprimir a venda de drogas e estimular o consumo é como combater o corruptor e incentivar o corrupto. As pessoas precisam parar de enxergar o usuário de drogas como um indivíduo “problemático”, uma vítima sabe-se lá do que. O usuário é a fonte primordial de todas as receitas do narcotráfico, logo é o dinheiro do usuário que sustenta o traficante e financia o terror necessário para manter esse negócio bilionário. Sem o usuário não existe o traficante. Simples assim! Então, das duas uma: ou se libera um e outro, o consumo e o comércio, ou se combate um e outro. Incentivar um e coibir o outro é enxugar gelo.

A política atual de repressão ao tráfico está longe do ideal e é preciso uma correção de rumos. Mas não será estimulando o consumo de drogas e aliviando as penas para os traficantes que se alcançará um resultado melhor do que esse que está aí. A tendência é tornar o negócio criminoso mais lucrativo e menos arriscado. Se usuários, traficantes e "progressistas" têm motivos para celebrar a proposta, é melhor a sociedade ficar alerta, porque boa coisa não pode ser.

domingo, 10 de fevereiro de 2019

A pizza de Brumadinho está assando

Casos de grande repercussão, como a tragédia de Brumadinho, geram comoção nacional e, invariavelmente, despertam nas pessoas uma sede incomum de justiça. Especialmente as vítimas desejam – e merecem – que os responsáveis sejam punidos, tanto melhor presos. E, invariavelmente, a expectativa é frustrada. Sinto muito dizer, mas muito provavelmente não será diferente em Brumadinho. Se a receita for a mesma, nada vai acontecer. Ninguém vai ser punido com rigor, os familiares das vítimas não serão indenizados e as barragens vão continuar como estão. O máximo que se vai ver é isso que está aí: diretores da vale dando explicações e autoridades anunciando mudanças para evitar uma nova tragédia. Logo, o caso cai no esquecimento e fica o dito pelo não dito. Não se trata de um exercício de futurologia, mas simples observação de um sistema feito sob medida para produzir pizzas. Vou explicar.

O sistema funciona assim. As autoridades responsáveis por apurar crimes e punir criminosos são basicamente o delegado de polícia, o promotor de justiça e o juiz de direito. Tratam-se de profissionais altamente capacitados e muito bem pagos, mas que são ocupados diuturnamente com casos cotidianos que, apesar da baixíssima complexidade, somam número suficiente para afogá-los num mar de processos e burocracia. São os casos do marido que bate na mulher, do sujeito que reclama do som alto do vizinho, do desalmado que judia de um cachorro de rua, do maconheiro que sustenta o seu vício furtando a vizinhança, do pai que não paga a pensão para o filho, do adolescente que falta à aula, do funcionário da prefeitura que apresenta atestado médico falso para não trabalhar e por aí vai. O delegado, o promotor e o juiz estão ocupados com essa miríade infinita de conflitos, quando, de repente, estoura no seu colo uma bomba do tipo Brumadinho, ou Mariana, ou Boate Kiss, ou avião da TAM. São casos de alta complexidade, que envolvem diversos atores responsáveis e centenas vítimas, que demandam conhecimento de uma legislação especializada, como os setores aéreo e de mineração, e via de regra repercutem em interesses escusos e nada republicanos de bandidos que não medirão esforços para boicotar as investigações. Então, o delegado está lá no seu gabinete concentrado nessa investigação, eis que chega o escrivão para dizer que a polícia militar acaba de apresentar um sujeito preso em flagrante por ter furtado a margarina no mercadinho do Seu Zé. O promotor também está lá escrevendo a petição de buscas, quando o seu assistente bate na porta e avisa que aquela audiência do cidadão que ameaçou a Dona Maricota já vai começar. Finalmente, o juiz igualmente está lá examinando a representação pela prisão temporária dos suspeitos do caso rumoroso, quando o seu assessor lhe avisa que chegou um pedido de informações em habeas corpus do caso do pai preso por não pagar a pensão do Joãozinho. E ai do delegado não lavrar o flagrante, ou do promotor não ir na audiência, ou do juiz não prestar informações ao tribunal. Se não o fizerem, serão chamados a dar explicações, sob ameaças de punição disciplinar por tamanha desídia. Assim, num piscar de olhos, o caso mais importante da delegacia, da promotoria, da vara e da cidade são deixados de lado para se atender aquelas outras milhares de demandas que, se não são menos importantes, ao menos não deveriam ser prioritárias. Enquanto isso, do outro lado, os investigados daquele caso cabeludo já contam com um batalhão de advogados e técnicos formados nas mais diversas especialidades, pagos a preço de ouro para garantir que nada lhes tire o sono.

Como se vê, não é que o delegado, o promotor ou o juiz sejam preguiçosos ou incompetentes. A disputa é mesmo francamente desleal. Parece óbvio que o delegado, o promotor e o juiz de casos como o de Brumadinho não podem enfrentar sozinhos essas disputas e muito menos enfrentá-las concomitantemente com as suas atribuições ordinárias. É preciso ter presente que casos dessa dimensão e complexidade exigem a formação de um time de investigadores, promotores e juízes especializados na área da investigação, cercados de técnicos e assessores e todos exclusivamente dedicados ao caso. E mais: essa equipe deve ser cobrada pelos resultados efetivos das suas ações, por exemplo, o número de pessoas processadas, condenadas, presas e indenizadas, e não por estatísticas frias que mascaram uma ação pueril e servem só para inglês ver, como é a praxe.

Uma das razões para a operação Lava-Jato ter resultados tão profícuos foi justamente reunir agentes públicos em uma força-tarefa focada nessa única investigação. A contribuição que os responsáveis pela Lava-Jato deram ao país, não só mantendo corruptos poderosos presos, mas recuperando milhões de reais roubados da Petrobrás, seria suficiente para custear os seus salários e as suas aposentadorias até o final das suas vidas. É esse modelo que precisa ser multiplicado em todo o país. Se, no caso de Mariana, uma força-tarefa tivesse levado a cabo as investigações, é possível que muitos servidores públicos e diretores da Vale estivessem presos hoje e, quem sabe, o desastre criminoso de Brumadinho teria sido evitado, poupando-se não apenas milhões de reais em prejuízos materiais, mas principalmente salvando-se centenas de vidas que foram soterradas pela lama, tudo porque o delegado, o promotor e o juiz estavam ocupados com a investigação do sujeito que furtou a galinha do vizinho. Por mais que esses valorosos e bem intencionados agentes públicos se esforcem, nunca vão conseguir fazer um churrasco misturando farinha, sal e água. Se os ingredientes do sistema não mudarem, as instituições vão continuar servindo pizza para a sociedade.

sábado, 2 de fevereiro de 2019

O conselho de Simon Bolívar para Jean Wyllys


Simon Bolívar, um dos ícones esquerdistas do século XIX, ao fugir da Colômbia, escreveu uma carta ao General Flores, governante do Equador, dizendo que, após 20 anos de governo, tinha algumas certezas, entre as quais a de que "a única coisa a se fazer na América é ir embora" (1). Atento a esse conselho e supostamente por sofre ameaças de morte, o ex-deputado Jean Wyllys renunciou ao seu mandato e também fugiu. O parlamentar não revelou o seu destino, mas aposto que deve ser alguma nação civilizada, desenvolvida e, claro, capitalista, afinal não passa pela cabeça dos esquerdistas viverem em Cuba, Venezuela, Bolívia ou Coréia do Norte.

Particularmente, não condeno a opção de Jean. Trata-se de uma decisão inteligente e sensata e não oportunista. Acredito sinceramente que ele tenha mesmo receio de ser assassinado. Esse pesadelo é compartilhado por todos os brasileiros, pois vive-se num dos países mais violentos do mundo. São sessenta mil vidas ceifadas violentamente ano após ano no Brasil. Um cidadão por aqui tem mais chance de ser baleado ou esfaqueado do que um soldado em combate na Síria. Nesse contexto, a melhor saída para o Brasil é o mesmo aeroporto. Quem tem condições, pode e deve ir embora, como já o fizeram tantos artistas globais, modelos e empresários, que, por vezes, até conservam os seus negócios no Brasil, mas salvam as suas famílias da selvageria das metrópoles tupiniquins. A ponte aérea agora não é mais Rio-São Paulo, mas Rio-Miami, o destino preferido desses brasileiros afortunados, inclusive daqueles que, por aqui, vociferavam contra o imperialismo do Tio Sam.

O oportunismo de Jean consiste em explorar politicamente a sua opção pessoal de mudar de país para desfrutar de uma vida mais tranquila e segura. Só faltou combinar com os diretores da Vale. O plano do ex-deputado foi atropelado pela tragédia de Brumadinho. A lama da barragem da mineradora soterrou centenas de vidas e, por tabela, varreu o calor dos holofotes que Jean tanto ansiava. Que azar. Jean deveria ter a decência de admitir que está indo embora porque o seu projeto pessoal de poder naufragou e, diante do novo cenário político nacional, tem pouco ou nada para contribuir com a nação. É infantil e ridículo querer tratá-lo como um exilado político, como o fizeram os esquerdopatas em fase mais aguda das suas doenças mentais.

Se as ameaças sofridas são verdadeiras, a decisão de Jean, além de oportunista, é covarde, porque foge de uma violência que ele e seu partido cultivaram ao longo das últimas décadas. São os esquerdistas que tratam o policial como bandido, e os criminosos como vítimas da sociedade capitalista, lutam pelo desencarceramento em massa de condenados e cultuam vagabundos como ícones da resistência contra o estado opressor. A explosão da violência no Brasil é fruto direto da política de idolatria da bandidagem e demonização da atividade policial, com o consequente empoderamento (a esquerda adora essa expressão) das organizações criminosas. Essas políticas nefastas são inteiramente de responsabilidade dessa ideologia esquerdista que há anos domina os poderes constituídos e corrompe as mentes de administradores, legisladores, juízes e promotores de justiça.

Os criminosos que supostamente ameaçaram Jean são do mesmo tipo que matam, roubam, estupram, sequestram, traficam e ameaçam os brasileiros nas ruas e nas suas casas. Se Jean fosse coerente, não deveria ter medo do bandido que lhe ameaçou, mas sim compaixão. Não deveria empreender esforços para que esse bandido fosse investigado e punido segundo os ditames de um Código Penal reacionário, mas sim lutar para que lhe fosse conferido um tratamento progressista que preservasse a sua dignidade. Aliás, Jean poderia ter conservado o seu mandato para oferecer ao seu algoz um cargo comissionado em seu gabinete, livrando-o da pobreza, já que a justificativa número um da esquerda para o banditismo é a falta de oportunidades. Para ser coerente, Jean deveria ter ficado no Brasil e sofrer junto com todos os brasileiros as mazelas da violência que ele e seus companheiros promoveram nos últimos anos.

Pelo visto, o criador está com medo da criatura. Enquanto o bandido está solto na favela, a esquerda caviar reputa-o um pobre coitado e inofensivo. Mas quando o bandido bate na sua porta, daí nada melhor do que ligar para o 190.

(1) Narrado por Leandro Narloch e Duda Teixeira no genial “Guia politicamente incorreto da América Latina”, p. 148.


quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

A incoerência que liberta

Segundo o dicionário Aurélio, coerência significa “ligação ou harmonia entre situações, acontecimentos ou ideias; relação harmônica; conexão, nexo, lógica”. Trata-se de um dos valores mais caros ao ser humano. É uma daquelas qualidades que nos diferenciam enquanto seres racionais, capazes de pensar de maneira lógica e de adotar padrões de pensamento e comportamento não contraditórios. É o que se espera de um ser humano e muito mais de um juiz. A coerência garante a previsibilidade das decisões judiciais e, por conseguinte, segurança jurídica para os cidadãos, na medida em que as pessoas saberão como será a aplicação da lei nesse ou naquele caso a partir de decisões pretéritas. Pois coerência foi o que mais faltou na decisão da juíza que resolveu soltar um bandido preso em flagrante com um fuzil.

O caso todo mundo já sabe. A polícia prendeu um suspeito de integrar facção criminosa na posse de um fuzil, trinta munições e sem camisa. Na audiência de custódia, esse famigerado ato inventado pelo CNJ para proteger gente presa, a juíza plantonista resolveu soltar o criminoso por entender que não havia elementos que demonstrassem a periculosidade social efetiva dele. Não contente, ainda mandou o Comando-Geral da Polícia Militar justificar em 48h porque o cidadão foi preso sem camisa. Só faltou devolver o fuzil e as munições ao meliante.

Na visão da juíza, a prisão em si foi absolutamente legal, tanto que o flagrante foi homologado. Todavia, pareceu contrariada com o fato do preso estar sem camisa. Se a prisão tivesse ocorrido em uma geleira no Alasca, até se compreenderia a preocupação da magistrada, já que a exposição do corpo desnudo a condições climáticas tão adversas seria uma tortura física. Mas em Florianópolis, em pleno verão escaldante, é impossível saber ao certo porque diabos a juíza encasquetou com o descamisado. Se, por um lado, a explicação que a juíza tanto queria lhe faltou, por outro sobraram memes e piadas nas redes sociais sobre o caso, fazendo chacota imerecida da justiça barriga-verde.

Imerecida porque esse tipo de decisão é absolutamente isolado no cenário catarinense. Felizmente, por aqui, um criminoso não tem vida tão fácil. Prova disso é que Santa Catarina continua sendo um dos estados mais seguros da federação. Prova maior ainda é que a decisão foi defenestrada do mundo jurídico tão rápido quanto nele ingressou, reformada por uma desembargadora plantonista. Aliás, que sorte ter sido outra mulher a reformar a decisão, para impedir que vozes feministas, irmanadas com grupos humanitários pró-criminosos, protestassem contra o que chamariam de ditadura masculina no judiciário!

A juíza que mandou soltar o sujeito que possuía em casa um fuzil por reconhecer que ele não representava um perigo social foi a mesma juíza que, no princípio da audiência, determinou que esse sujeito, já sem o fuzil, sem a camisa e sob escolta, fosse mantido algemado porque, pasmem!, representava um perigo à integridade física dos presentes no ato. Ora, ora, ora... Pimenta nos olhos dos outros é mesmo refresco. A senhora juíza manteve o sujeito algemado por reconhecer que se tratava de alguém perigoso. Na frente da juíza, o indivíduo desarmado era um perigo. Longe dela, o sujeito armado com um fuzil não representava periculosidade alguma. Eis a incoerência que marcou sobremaneira a decisão da magistrada.

À magistrada, faltou prudência ao devolver sem cerimônias um bandido à sociedade. Faltou reflexão ao supor que um sujeito que possuía um fuzil em casa não voltaria a delinquir. Faltou também acatamento ao determinar que o Comando-Geral explicasse em algumas horas porque um criminoso foi preso em flagrante sem camisa. Acima de tudo, faltou coerência ao considerar o sujeito perigoso para ela e inofensivo para os outros. Uma pena. O bandido ganhou liberdade. A sociedade perdeu segurança. E a juíza? Essa empatou ao ganhar notoriedade e perder o senso de justiça.